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sexta-feira, 9 de março de 2007

Por que não sou liberal

Por que não sou liberal

Olavo de Carvalho
Jornal do Brasil, 08 de março de 2007

Há muitos motivos para você ser contra o socialismo, mas entre eles há dois que são conflitantes entre si: você tem de escolher. Ou você gosta da liberdade de mercado porque ela promove o Estado de direito, ou gosta do Estado de direito porque ele promove a liberdade de mercado. No primeiro caso, você é um “conservador”; no segundo, é um “liberal”.

Durante algum tempo, você não sente a diferença. Quando a direita é ainda incipiente, nebulosa e sem forma, liberais e conservadores permanecem numa gostosa promiscuidade, fundidos na ojeriza comum ao estatismo esquerdista. Tão logo a luta contra o esquerdismo exige uma definição doutrinal mais precisa, a diferença aparece: ou você fundamenta o Estado de direito numa concepção tradicional da dignidade humana, ou você o reinventa segundo o modelo do mercado, onde o direito às preferências arbitrárias só é limitado por um contrato de compra e venda livremente negociado entre as partes. Nos dois casos você quer a liberdade, mas no primeiro o fundamento dela é “material”, isto é, definido por valores e princípios explícitos, no segundo é “formal”, isto é, definido por uma equação contratual cujo conteúdo está aberto à escolha dos interessados.

Se você é um conservador, você acha que um cidadão não tem o direito de contratar outro para matá-lo (muito menos para matar um terceiro), porque a vida é um dom sagrado que não pode ser negociado. Mas, para o liberal, nada existe de mais sagrado que o direito de comprar e vender – a própria vida inclusive: se você acha que sua vida está um saco e quer contratar um profissional para dar cabo dela, nem o Estado nem a Igreja têm o direito de dar nisso o menor palpite. Já se quem está enchendo o saco é o seu bebê anencéfalo, a sua avó senil ou o seu tio esquizofrênico, eles não têm capacidade contratante, mas você tem: caso tenha também o dinheiro para pagar uma injeção letal e o enfermeiro para aplicá-la, nada poderá impedir que os três chatos sejam retirados do mercado mediante os serviços desse profissional. Curiosamente, não conheço um só liberal que atine com a identidade essencial de contratar um enfermeiro para dar uma injeção nos desgraçados, um pistoleiro para lhes estourar os miolos ou uma motoniveladora para reduzi-los ao estado bidimensional. Quando dizem que consideram a primeira alternativa mais “humana”, não percebem que estão apelando a um argumento conservador e limitando abominavelmente a liberdade de mercado.

O conservadorismo é a arte de expandir e fortalecer a aplicação dos princípios morais e humanitários tradicionais por meio dos recursos formidáveis criados pela economia de mercado. O liberalismo é a firme decisão de submeter tudo aos critérios do mercado, inclusive os valores morais e humanitários. O conservadorismo é a civilização judaico-cristã elevada à potência da grande economia capitalista consolidada em Estado de direito. O liberalismo é um momento do processo revolucionário que, por meio do capitalismo, acaba dissolveldo no mercado a herança da civilização judaico-cristã e o Estado de direito.

Um comentário:

Anônimo disse...

Oi Tarcísio, obrigada por colocar um link do meu blog (Observatório da Perseguição), estou colocando um link para o seu lá ok?
Um abraço,
Liz.