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quinta-feira, 16 de junho de 2005

BECASSINE - Uma jovem de 100 anos

23/5/2005

W. Gabriel da Silva

Aniversário de uma menina que não envelhece e mantém viçosa sua candura sempre atraente. Contraste com o atual mundo do horrendo, onde pululam gibis de monstros, filmes e videogames demoníacos.


Tio Corentin: "Linda menina, disse ele fazendo-a saltar em seus braços... e que tem lá seu peso! Pena que esse nariz... ou melhor, não tem nariz!" (Por ironia, Aninha foi apelidada "Becassine", nome de uma ave dos charcos, de bico notavelmente longo).

A França está comemorando os 100 anos de Becassine, a popularíssima heroína das histórias para crianças, que encanta igualmente os adultos.

Várias exposições a seu respeito foram organizadas em Paris e outras cidades ao longo deste ano.

A revista Catolicismo já tratou dela em seu número 343, de junho de 1979, mostrando o que a diferencia das outras histórias em quadrinhos, em geral nocivas à educação da infância e da juventude.

As histórias dessa simples criada bretã, ao contrário, contêm lições para a vida, de uma riqueza extraordinária.

Assim, deixo de lado esses aspectos fundamentais, que o leitor interessado poderá consultar em sua coleção de nossa revista, ou pedir cópia à Redação.

Apresentação de Becassine

Quem é Becassine? Por que ficou tão famosa? Por que continua atraente e atual, um século após sua aparição?

Becassine veio à luz em 2 de fevereiro de 1905 de modo inteiramente fortuito, no primeiro número de um novo semanário para meninas, “La Semaine de Suzette”.


Às vésperas da publicação, a chefe da redação, Jacqueline Rivière, deu-se conta de que nada havia sido pensado para a quarta capa da revista! Improvisou então um sketch, uma pequena história em torno de uma jovem bretã contratada como criada para a casa de uma prestigiosa dama, a marquesa de Grand-Air. Feita a composição, a redatora entregou-a ao desenhista da editora, Joseph-Porphyre Pinchon (1871-1953), encarregando-o de ilustrar a matéria. Foi a ocasião para manifestar-se o gênio de Pinchon, ao criar a ingênua e simpática figura de Becassine: cara redonda como a lua, nariz minúsculo, boca invisível, e perpetuamente vestida conforme o costume de sua aldeia de origem: touca branca, vestido verde de tecido pesado com faixas pretas, avental branco com uma faixa vermelha, guarda-chuva vermelho e sapatões camponeses que mais parecem botas...

Inocência e bom senso


Carmencita Gonzales

Becassine tira seu nome de uma ave migratória comum na Bretanha, bécasse. Mas em francês as palavras bécasse e bécassine tomam um sabor especial, pois indicam na linguagem popular a pessoa bobinha, desajeitada.

No caso da nossa personagem, esse aspecto fortemente negativo vem contrabalançado por uma índole inocente e cheia de bom senso, com uma bondade de coração capaz de extremos de dedicação, como igualmente de atos de bravura.


Quando se trata de educar a pequena Loulotte, órfã adotada pela marquesa, Becassine revela-se de um instinto maternal tocante

Jean-Louis

A primeira figura de 1905 fez sucesso junto às meninas que liam “A Semana de Suzette”, exigindo sua aparição mais freqüente. Mas essa quota modesta de celebridade continuou limitada até 1913, quando a página despretensiosa da publicação para meninas e mocinhas deu lugar ao primeiro álbum de uma história mais elaborada e enriquecida por novos personagens.

Ao traço firme e expressivo de Pinchon juntou-se a riqueza do cenário e do texto de Caumery, anagrama de Maurice Languereau (1867-1941). A dupla Pinchon-Caumery dotou a heroína de uma personalidade mais atraente e complexa que a camponesa simplória de 1905. Com o primeiro álbum vêm seu nome de família, os parentes, a aldeia, os habitantes da aldeia, mais tarde a casa da marquesa com seus criados, seus amigos, suas relações, seus passeios, suas viagens (ver Catolicismo citado) — o mundo de Becassine vai se ampliando à medida que ela mesma se coloca diante do mundo em transformações de seu tempo.

Não se curvou às modas


Mme. Laverech

M. Proey-Minans

Em 1905 ainda existiam os grandes impérios: colonial britânico, austro-húngaro, alemão, russo. Em 1913 já haviam surgido o automóvel e o avião. Pouco depois a primeira guerra mundial imporia novas mudanças não só aos regimes políticos, mas também à sociedade, aos costumes, às psicologias. Assim vieram os “anos loucos” de entre as duas guerras, em que surgiu a arte moderna, e passaram a ditar a modo o cinema e o american way of life. Enquanto isso, crises políticas e econômicas, como a de 1929, sepultavam os últimos refúgios dos belos costumes tradicionais ou aristocráticos, para dar lugar a um estilo de vida trepidante, “nouveau riche” ou mesmo proletário. Embora movendo-se desembaraçadamente nesse novo mundo, Becassine conservou sempre seu profundo amor ao estilo de vida tradicional, indiferente às modas do tempo.


M. de la Haute-Science

Major Tacy-Turn

A riqueza de personalidade e o modo super-atraente de apresentar a vida da época aparecem nos cenários mais incríveis e variados: Becassine familiariza-se com os inventos recentes, dirigindo automóvel, viajando de trem e de avião; esquiando na Suíça; servindo como cobradora de bonde ou fotógrafa aérea junto ao fleugmático major inglês Tacy-Turn; levando os pitorescos habitantes de sua aldeia natal, capitaneados por seu tio Corentin, para visitar a exposição universal em Paris. Em todas as situações, revela-se um exuberante universo de almas, cujo conhecimento corresponde ao que de mais interessante e útil se pode apreciar na vida.

Fidelidade e bondade


Marie Quillouche


Pedro l'Espanhol

As histórias de Caumery e Pinchon (este último associado sempre ao escritor, de tal modo o desenhista exprimiu bem as psicologias e estados de espírito) dosam na perfeição humor e pedagogia, aventura e virtudes domésticas. Suas relações com Madame Grand-Air, por exemplo, representam o contrário da mesquinhez, da inveja e da revolta insuflada pela luta de classes. O devotamento com que Becassine serve sua senhora é de uma dedicação e uma fidelidade filiais, mesmo quando a patroa perde toda a sua fortuna em conseqüência das transformações sociais acima aludidas, impostas à sociedade. Ela ensina cada um a amar a condição em que nasceu, e não se envergonha em dizer que foi feita para obedecer. “Apaixonada e cativante, ingênua mas também engenhosa, sentimental mas corajosa, conservadora mas cheia de fantasia, cabeça-dura mas de uma bondade a toda prova”–– são traços que revelam contrastes harmônicos da alma de nossa heroína, segundo um crítico(1). Quando se trata de educar a pequena Loulotte, órfã adotada pela marquesa, Becassine revela-se de um instinto maternal tocante. Qualidades que a tornam sempre atual, indiferente ao mundo, como a reforçar “o perfume de doce nostalgia que exala de sua leitura”, de acordo com o citado comentarista.

Modernidade X velha França


Baronne Lémable

A valente Becassine

Tudo isso, entretanto, não representa senão alguns aspectos do imenso tesouro que as histórias de Becassine souberam retratar em episódios da vida diária, com fina penetração de espírito, até a segunda guerra mundial. Caumery e Pinchon criaram uma multidão de personagens — 1.200 no total! — interessantes e pitorescos, que ocupam 1.500 pranchetas de quadrinhos para compor 25 álbuns. A publicação só foi interrompida pela invasão das tropas alemãs na segunda guerra mundial.

O que pensam de Becassine os franceses modernos?

A popularidade da mais antiga heroína de histórias em quadrinhos mostra o quanto ela é apreciada por uma parte da população. A França, entretanto, é um país profundamente dividido. Também numerosos são aqueles que detestam Becassine e vêem nela uma idiota provinciana que só faz asneiras. Esse desprezo, a meu ver, mal disfarça um ódio revolucionário profundo. Becassine, sem que talvez seus próprios criadores suspeitassem, é um símbolo da velha França –– a França da ordem, na qual floresceram santos e heróis.

Notas:
(1) Laurent Dandrieu, Bécassine dans le siècle in “Le Spectacle du monde”, paris, março de 2005.

Tio Corentin: "Linda menina, disse ele fazendo-a saltar em seus braços,... e que tem lá seu peso! Pena que esse nariz... ou melhor, não tem nariz!" (por ironia, Aninha foi apelidada "Becassine", nome de uma ave dos charcos, de bico notavelmente longo).

Veja:
http://www.catolicismo.com.br/

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