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quinta-feira, 19 de maio de 2005

Anti-americanismo, doença infantil da burguesia e pequena burguesia européias


Todos nós, os que de alguma forma se interessam ou preocupam pelo destino da humanidade e do Mundo, deixámos profunda ou indelévelmente a nossa marca de contestação num certo militantismo anti-americano.


Acreditámos muitas vezes (e por vezes com razão)(sic), que o nosso anti-capitalismo era coerente com as nossas próprias ideias, e não apenas para servir os interesses dos vários totalitarismos então reinantes, como na URSS e na China.

A verdade porém é que nos fomos apercebendo (aqueles que o puderam fazer), que, substancialmente, íamos para a rua agitar bandeiras vermelhas e cerrar os punhos quais marionetas de São Lourenço, para dar apoio aos estalinistas e não a qualquer causa humanitária ou "revolucionária".

Gritávamos "América fora do Vietname" ou "Nixon go home", como se gritássemos a nossa própria revolta e não a estratégia dirigida a partir dos gabinetes do KGB e do CC do PCUS.

A América, graças em parte ao "nosso" activismo, saiu finalmente do Vietname e depois disso deixámos de nos interessar por esse pequeno país asiático.

Joan Baez e Jane Fonda já podiam dedicar-se a outros "combates". A última casou inclusive com o magnata da CNN. Tudo bem e esperamos que tenham sido muito felizes.

Contudo, contráriamente ao que pensáramos, nem por isso o Vietname ficou melhor sem os americanos ou sequer a viver em paz. A tal paz que lhes havíamos prometido. Outras guerras vieram (como em África com a descolonização) e o pequeno Vietname continuou a sofrer mas desta vez já não voltámos às ruas. Já não estavam lá os americanos...

A cooperação entre o Vietname e os EUA (volvidos tantos anos), é agora um facto indesmentível e se há algum progresso nesse país, o mesmo se deve a essa cooperação e não à "ajuda" soviética ou chinesa.

Não somos nós os europeus, muito menos os "pacifistas", que vamos lá ajudar os vetnamitas. São os americanos que estão lá...

O Vietname comunista (aquele que queríamos instalar, contra os "interesses imperialistas" americanos), não trouxe ao seu povo nem a paz, nem o bem estar, trouxe-lhe mais fome e perda das liberdades fundamentais.

Nós, os pequenos "pacifistas" anti-americanos deixámos de nos preocupar e voltámos ao conforto do nosso lar pequeno-burguês (aqueles que o tinham e não eram poucos).

Durante algum tempo (até Gorbachov), ainda pensávamos que havia mísseis bons (os da URSS) e mísseis maus (os do "imperialismo" americano), explosões nucleares excelentes (porque destruíriam o mundo capitalista fazendo-o em estilhaçoes), e explosões nucleares reaccionárias (que destruiriam a URSS, a Mãe de todos os povos oprimidos do Mundo).

Andávamos a navegar neste maniqueísmo e nunca chegámos a perceber na altura que o nosso anti-americanismo não era senão algo que nos fôra instalado no cérebro, como os nazis haviam feito com as juventudes hitlerianas, como se fôssemos cobaias num qualquer laboratório do KGB.

Não era um anti-capitalismo consequente e sincero, porque ao fim e ao cabo, continuávamos a consumir a Coca-Cola, continuávamos a preferir o nosso conforto (aqueles que o tinham e não eram poucos!), em vez de zarpar para a RDA ou para Cuba onde estavam afinal os tais paraísos socialistas que nos prometia a vulgata marxista-leninista.

Afinal esses países também tinham levado com a mesma lavagem ao cérebro. As pessoas ainda andavam na bicha do pão enquanto os grandes dirigentes do povo, tinham as suas dachas, os seus Mercedes, tinham dinheiro para fazer mais ogivas nucleares.

Com o nosso consumismo pequeno-burguês e anti-capitalista (!?), íamos assim dando razão ao próprio Capitalismo que dizíamos combater. Não consta que tenham sido muitos (a não ser alguns dos que fugiram à tropa e alguns jovens mais ortodoxos), a preferir viver nesses "oásis de sonho socialistas", partindo para Cuba ou para a Roménia e os que saltavam os muros em Berlim não era de cá para lá mas sim o inverso. Já nos esquecemos disso?

Porém a nossa memória de pequeno-burgueses e "anti-imperialistas" é curtíssima como um fio de cabelo de um careca e o mais que podemos alcançar é o dia de ontem e pouco mais.

Volvidos tantos anos e perdida a hipótese do tal oásis se vir a transformar num enorme oceano de abundância "socialista e revolucionária" (onde todos teriam pão e declamariam poesia em cima das mesas!), voltámo-nos para Oriente e para os seus chefes e gurus.

Uns foram para as várias "alternativas", a da medicina, a da culinária, a da Natureza ("é pá, vamos pôr rede de arame em todos os espaços verdes para que nínguem os pise, deixemos só lá as avezinhas!"), a da literatura e a das artes, e por aí adiante (pois são quase tantas as "alternativas" como as seitas que criámos por toda a parte, inclusive e com total liberdade, nos EUA, a tal pátria do "imperialismo").

Quanto aos ídolos, passámos a adorar outros, de preferência e uma vez mais ídolos que fossem simultâneamente orientais e anti-americanos. Fomos ao mercado ver o que havia e havia alguns, o Sadham, a Liga Árabe, os palestinianos de Arafat e de Yassin o "Coxo", o Kadhafi (esse até desviava aviões e atirava-os para o fundo do mar), e por fim o Bin Laden.

Esse conhecêmo-lo um pouco mais tarde num dos mercados do Paquistão, onde íamos frequentemente à "aventura", de jipe e com a miúda ao lado cheia de vermes e insectos. Levávamos uma pequena sacola, púnhamos lá a Coca-Cola dos americanos e algum chá alternativo e partíamos para essas terras cheias de gente interessante onde até as doenças são interessantes e exóticas. E foi lá que conhecemos também os Talibans, esses heróicos e bravos militantes da causa islâmica e anti-imperialista.

Alguns de nós fomos para lá lutar ao lado deles e quando eles matavam alguém nos estádios de futebol, nós aplaudíamos ao seu lado, conformados. As mulheres probidas de exercer a profissão ou obrigadas a usar o burkah, porque não? Ao fim e ao cabo o que estava em causa era unir o povo contra os imperialistas. Nada de contemplações. Well, desde que não fôssemos nós a levar o tiro na nuca...

E assim de admiração em admiração, de culto em culto, de ídolo em ídolo, chegámos à situação presente em que mais uma vez nos enredamos no anti-americanismo mais primário, ignorando os perigos da nossa própria militância supostamente anti-imperialista.

E dizemos supostamente porque não consta que esse imperialismo (que de facto existe(sic) mas não é só americano, é também francês, alemão, chinês e árabe), possa alguma vez ser destruído ou mesmo travado com qualquer das nossas acções.

Muito pelo contrário, quanto mais nos colocarmos ao lado dos seus supostos inimigos (do Islão fascista por exemplo), mais fortalecemos o tal Capitalismo e Imperialismo, mais países e estados vão cair na sua órbita, a começar pelos árabes.

Regiões inteiras que seria impensável que os americanos pudessem alguma vez pisar (o Afeganistão é um exemplo), passarão a ser também capitalistas. E tudo graças à nossa ajuda aos fundamentalistas árabes e islâmicos, graças ao nosso suposto anti-imperialismo.

Sempre que a América reage (ou o leão ruge), não paramos para reflectir se a sua reacção e fúria são legítimas ou justificáveis. Desde logo tomamos como certa a nossa convicção de que quando reage violentamente é porque é imperialista e não porque tenha sido atacada ou porque nos esteja também a defender do pior.

Este anti-americanismo primário, disfarçado com roupagens ideológicas de um pretenso anti-imperialismo (nunca condenamos por exemplo, o imperialismo francês ou o imperialismo alemão), é uma posição desmiolada e até suicida já que um dia que esse capitalismo perecesse todos nós pereceríamos com ele pois os inimigos da América não nos poupariam a vida e nem sequer se dariam ao trabalho de nos converter em lacaios.

Mais uma vez (ao agradar à nova Inquisição, desta vez islâmica), somos instrumentalizados pelos nossos chefes e gurus, mesmo aqui na Europa, a começar pelo Sr. Soares, o Sr. Chirac, o Sr. Villepin, o Sr. Zapatero, não é preciso virem do Oriente pois temos cá muitos, alguns dos quais denotando já um certo desequilíbrio mental (para não dizer pior...).

Como não temos a USS, a Mãe de todos os povos oprimidos(sic) virámo-nos agora para os terroristas islâmicos que além disso são mais explosivos...nas suas manifestações anti-imperialistas, do que nós éramos.

Nós partíamos montras, eles partem a existência de milhares de civis inocentes. Quando choramos não é pelas vítimas inocentes do lado ocidental, as vítimas de Madrid por exemplo. Quando choramos, choramos as as mortes dos jovens terroristas palestinianos, choramos a "vítima" Yassin, o carrasco islâmico que mandava os jovens imolar-se do lado dos "imperialistas" judeus, matando centenas de cidadões jovens como eles.

Choramos os "mártires de Allah" (mesmo que não compreendamos absolutamente nada do que se trata), mas não choramos os "mártires" de cá.

Chamamos assassinos aos israelitas e judeus mas não chamamos assasssinos em quem inscreve nos seus manuais e os dá às crianças na escola, a completa destruição do estado de Israel.

Choramos a morte de Yassin como choraríamos a morte de Hitler e do seu gang de criminosos. E o nosso choro convulsivo em nome da luta contra o imperialismo americano(sic), não é senão o choro por nós próprios, o choro por não conseguirmos ultrapassar a fronteira entre a lucidez e o obscurantismo, a inteligência e a irracionalidade, a razão e a loucura.

Choramos porque estamos à beira do precipício, à beira de morrer na nossa imolação colectiva face aos "amigos" do Islão fundamentalista, e não temos a mínima consciência disso.

O nosso anti-americanismo e anti-semitismo faz de nós uns heróis de opereta mas essa bravura passageira e meramente decorativa, é porque ainda podemos comer ao pequeno-almoço, torradas e ovos com fiambre.
Com uma coca-cola sempre ao pé de nós.


Kafir Carlos Fonseca, Cinfães do Douro, 25/03/2004.






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